Há fronteiras ou paradigmas que como uma circunferência,
delimitam a arte contemporânea?
O espetáculo CATADIÓPTRICO (adj.1. Relativo ou
pertencente tanto à reflexão quanto à refração da luz. Propriedade da arandela
reflexiva – olho de gato), propõe o questionar do limite na arte, caso este
ocorra, nos corpos dos quatro atores presentes em cena, estas argumentações
geradas no processo psicomotor com o auxílio da técnica rasaboxes “o ator como
atleta das emoções”, ou seja, treinar o ator/bailarino/performance na
conjectura corpo/mente/emoções numa composição visceral para acessar, exprimir
e gerir essa tríade holística, concebida na década de 1980 e 1990 por Richard Schechner,
conforme definição pesquisada e estudada por Juliana Calligaris (in “Projeto
Rasaboxes – O Ator como atleta das emoções”, por Juliana
Calligaris, São Paulo – SP, 2012).
Antonio Ginco, Juliana Calligaris, Lucas Barbosa e Monalisa
Vasconcelos, estes com sua humanidade refletem argumentações nas perspectivas
do quem somos, a relação com o tempo e sua formatação de posturas sociais, o
ofício da arte com significados particulares (com a utilização de histórias
pessoais) para a associação global, catártico para o espect-ator, conceito de
espectador não passivo, mas sim agente de sua história, desenvolvido por
Augusto Boal (in “Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas”, Ed.
Civilização Brasileira, São Paulo-SP, 2005).
Uma composição poética que contrapõem a concepção de Peter
Brook e seu Teatro Morto, o teatro enfadonho em que o fator comercial, a
necessidade do dinheiro sobrepõem o caráter artístico, o “Teatro Sagrado, o
Invisível-Tornado-Visível: O conceito de que um palco é um lugar onde o
invisível pode aparecer tem um grande poder sobre os nossos pensamentos”, ou
seja, as emoções ganham corpo. (in “O Teatro e Seu Espaço”, Peter Brook,Ed.
Vozes Limitadas, São Paulo-SP, 1970).
Com roteiro inicial de Monalisa numa ação híbrida e
colaborativa de todo o elenco, em que cenas não lineares constroem um panorama
contemporâneo graças à digestão antropofágica, ironias políticas-sociais, a
superficialidade intelectual causada pelos meios midiáticos, e a transformação
que a arte pode ocasionar perante estas conjunturas creditadas hoje
(erroneamente?) como sine qua non.
A direção de Leticia Olivares, graduada em Dança e
Consciência Corporal pela FMUSP, proporciona uma requintada limpeza estética
numa construção minimalista em que todas as ações possuem significados, nada
além do necessário, em que equilibra as potencialidades de cada ator e consegue
assim torná-los ao mesmo tempo individuas, autorais e corporificados, “a
verdadeira arte secreta do ator” como ensina Eugenio Barba.
As interpretações estilisticamente antagônicas e
suplementares abastecem as dificuldades por falta de experiência viva em palco
dos atores Lucas Barbosa e Monalisa Vasconcelos, outro bônus para a direção.
Uma dificuldade ainda não sanada é quanto a luz, esta talvez
por falta de recursos específicos provoca um choque de realidade, a imersão é
quebrada quando a geral vaza pelo espaço além palco.
Os figurinos e cenário desenvolvidos por Paulo de Moraes é um
destaque no todo, valoriza a personalidade de cada integrante em que cores são
presentes apenas na camiseta, num projeto op art em que as riscas de branco e
preto presentes nas saias e calças são estendidas pelo chão e paredes, na
tendência fashionista da construvisão: volumes retorcidos, geometrização,
sobreposição e recortes gráficos.
Ao final quando os atores recolhem em pequenos recipientes
seu suor e entregam-no à plateia, o ato metafórico da oferenda, doação, os
corpos humanos refletindo humanidade, a pergunta inicial se a arte possui
limites será respondida na “internalidade” de cada espectador, a pulsação única,
a gênese em que retornamos ao processo tribal, ritualístico e devidamente
humano.
FICHA TÉCNICA
Roteiro original: Monalisa Vasconcelos
Dramaturgia coletiva
Organização dramatúrgica e Direção: Leticia
Olivares
Elenco: Antonio Ginco, Juliana Calligaris,
Lucas Barbosa, Monalisa Vasconcelos
Preparação corporal: Leticia Olivares
Preparação vocal: Juliana Calligaris
Cenário e figurinos: Paulo de Moraes
Iluminação: Fabio Reginato e Lucas Barbosa
Trilha sonora: Leticia Olivares
Operação de luz: Leticia Olivares
Operação de som: Clarissa Olivares
Rodrigues e Pedro Darween
Fotos: Fábio Reginato e Jeferson Kim
Produção gráfica: Lívia Maia e Maura Hayas
Produção geral: Trilhas da Arte Pesquisas Cênicas
Local: Estação Caneca/Espaço Trilhas da Arte
Rua Frei Caneca, 384 – Bela Vista
Última apresentação do ano: 23/11 ás 16h
Ingresso: Gratuito
Pela Mostra dos 10 anos de Fomento ao Teatro